Como já abordado em um artigo anterior (clique aqui para ler) sobre 1RM, vimos que os testes de 1RM nos fornece muita informação importante sobre o desempenho de nossos atletas, e mais do que isso, pode fornecer um norteamento mais preciso sobre a intensidade, volume e tipo de exercício à se usar de atleta para atleta em cada macro e mesociclo.
Neste artigo irei abordar algumas relações entre o Clean & Jerk, Snatch, Back Squat, e Front Squat. Relacionar esses quatro exercícios podem nos dar muita informação interessante, vejamos a seguir algumas delas...
Como rotina, todos os meus alunos fazem periodicamente alguns testes de potência, força, e também teste máximo de 1RM. Existem inúmeras formas de se medir o nível de força e potência, assim como o equilíbrio de força muscular de uma pessoa. Uma simples forma é relacionar o valor de 1RM de alguns exercícios.
Dependendo do resultado destas relações saberemos o deficit de cada atleta e assim podemos direcionar a planilha de treinamento direto no ponto fraco de cada um.
Clean & Jerk vs. Back Squat e Front Squat
Para qualquer pessoa que treina com pesos livres e utiliza os levantamentos olímpicos (Snatch e Clean & Jerk) em seu treinamento, dificilmente (eu nunca ví) tem uma relação ruim entre Clean & Jerk e os dois agachamentos (Back e Front Squat) - (1RM de Clean & Jerk e Snatch maiores que o Back e Front Squat).
Para uma boa execução nos levantamentos clássicos olímpicos, os agachamentos devem ter um valor obrigatóriamente acima do Clean & Jerk. O Back Squat deve ser 130% ou mais do que o valor de 1RM de Clean & Jerk, assim como o Front Squat deve ser 105% ou mais também do Clean & Jerk. Por experiência com pessoas que treinam como atletas mas não o são, indico uma relação de Clean & Jerk para Front Squat de no mínimo 110% do 1RM do Clean & Jerk.
Por exemplo:
Se o seu 1RM de Clean & Jerk é 50kg, obrigatóriamente o seu Back Squat precisa ser 65kg (130%) ou mais, e o Front Squat 52,5-55kg (105-110%) ou mais.
Caso essa relação não esteja em dia, o técnico deve trabalhar para que fique, pois o atleta precisa de uma excelente base de força para suportar o impacto que os levantamentos olímpicos podem causar.
Um dos objetivos iniciais quando uma pessoa começa a treinar comigo é de que ela consiga fazer 1 repetição de Back Squat (movimento completo) com o peso do própio corpo na barra. Isso alcança-se em pouco tempo se a pessoa não tiver nenhum impedimento muscular ou neuro-motor. Geralmente com um programa adequado que envolva exercícios de mobilidade e força, pode-se alcançar esse objetivo de 8 semanas à 6 meses. Em casos especiais onde a pessoa não tem experiência com agachamento livre, 1 ano é suficiente para todo mundo fazer 1 repetição de Back Squat com o peso do própio corpo na barra. Porém para a pessoa fazer Clean & Jerk com o própio peso na barra, daí já leva algum tempo, muito treino, muita dedicação, disciplina, atenção e foco. Por isso até lá, agachando-se com o própio peso do corpo na barra já nos garante uma força para muito trabalho com barras acima da cabeça.
Resumindo, uma excelente base de força é muito importante para que tenha-se sucesso nos levantamentos olímpicos. E como saber se essa base está boa ou ruim? Basta relacionar os exercícios acima.
Clean & Jerk vs. Snatch
Outra relação importante é a do Clean & Jerk vs. Snatch. Ao periodizarmos/planejarmos um treinamento precisamos saber ao certo do que a pessoa precisa, e isso a pessoa, seja atleta ou não, NÃO SABE nos dizer. Vejamos nossa função como treinadores como a do Médico; ninguém vai ao médico e pede com exatidão o que tomar. Se a pessoa sabe, ou pensa que sabe, ela nem vai ao médico... Muitas vezes isso resulta em complicações, mas isso é outra história. Com nós treinadores acontece que a pessoa sempre quer "aquele" abdominal, quer "aquele" exercício, "não gosta" deste ou aquele, "não quer fazer" esse ou o outro. Não podemos nos deixar levar por isso pois assim nossa função, nosso TRABALHO, não terá função e será em vão toda a leitura deste artigo.
Quanto eu faço um planejamento de treino de cada atleta é engraçado como que, os exercícios podem ser os mesmos, porém todo o resto é completamente diferente para cada um. É como se fosse o mesmo remédio porém com doses diferentes e específicas para cada qual.
A relação entre o Clean & Jerk e o Snatch pode nos dar parâmetros para planejar e dividir a intensidade de treino que a pessoa precisa.
A relação entre o Clean & Jerk e Snatch deve estar entre 78 a 84%. Por exemplo, usemos a mesma pessoa do exemplo lá de cima, que tem o 1RM de Clean & Jerk de 50kg, ela deveria ter o 1RM de Snatch entre 39 e 42kg (78 e 84% respectivamente). Mas neste caso acontece muito deste valor não estar, digamos; fino!
Se este valor não estiver entre os 78 a 84% do Clean & Jerk, ele pode estar acima ou abaixo. Para cada uma das situações teremos uma forma de planejar o treinamento do atleta.
Simplificando, se o valor estiver abaixo, a intensidade média absoluta do treino deve ser diminuida, ou seja, o atleta treinará mais "leve" no próximo ciclo de treino, com foco em técnica e execução. Se o valor de relação entre Clean & Jerk e Snatch estiver acima dos 84%, então o atleta deve ter um aumento na sua intensidade média absoluta de treino, ou seja, treinar mais "pesado", com intensidades mais próximas do valor de 1RM. Abaixo veremos como calcular com precisão a intensidade absoluta e relativa de um treino ou ciclo de treino.
Intensidade Relativa e Intensidade Absoluta
Como exemplo, pegamos nosso mesmo atleta que tem o 1RM de Clean & Jerk de 50kg. Os 50kg representam o seu 100% do Clean & Jerk. Abaixo um exemplo de treino baseado nestes 100%/50kg:
Clean & Jerk
3 reps com 60% (30kg)
3 reps com 70% (35kg)
3 séries de 3 reps com 80% (40kg).
Para calcular a intensidade média relativa (IMR) e intensidade média absoluta (IMA) segue os cálulos abaixo:
IMA = [3(0.6x50) + 3(0.7x50) + 9(0.8x50kg)] / 15 = 37kg
IMR = [(3x0.6) + (3x0.7) + (9x0.8)] / 15 x 100 = 74%
O cálculo da intensidade absoluta deve ser feito em toda a planilha de treinamento, assim, se no final do ciclo o 1RM do Snatch estiver dentre o 78 e 84% do Clean & Jerk o valor da intensidade média absoluta (IMA) do ciclo está boa e não à necessidade de haver modificações. Mas se o 1RM do Snatch for abaixo de 78% do Clean & Jerk, deve-se abaixar a intensidade média absoluta, no caso acima, colocando-se menores porcentagens do 1RM com o mesmo número de repetições resolveria. O atleta deve treinar com menos peso absoluto no seu programa de treino. Isso ironicamente muitas vezes calha com a falta de técnica do atleta, geralmente quando um atleta tem muita força e pouca técnica, esse valor de relação fica abaixo dos 78%, assim ele precisa de menos intensidade e mais técnica, por isso a diminuição da intensidade no planejamento de treino irá favorecer este atleta.
Se o 1RM do Snatch for acima de 84% do Clean & Jerk, deve então aumentar a intensidade média absoluta. O atleta deve treinar com mais peso absoluto no seu programa de treino, ou seja, por mais vezes as cargas mais próximas do 1RM deve fazer parte dos treinos. Com um valor acima dos 84%, significa - na maioria das vezes - que o atleta tem boa técnica mas não tem força. Essa relação entre técnica e força está desequilibrada. Por isso o atleta deverá treinar mais pesado no seu próximo ciclo de treino. Para assim suprir seu deficit de força.
Usando a relação do Snatch e Clean & Jerk e a intensidade média absoluta (IMA), é possivel saber como e qual efeito o treino está produzindo e também saber como e qual atitude tomar no novo ciclo de treino. Dá trabalho tudo isso, mas, é necessário! E isso vai ajudar e muito aumentar o nível do atleta.
É claro que esses números nos dão informações úteis acerca das necessidades de treino de força, técnica, volume alto, volume baixo, intensidade alta, intensidade baixa, etc, porém os olhos de um técnico com experiência irá nortear ainda melhor o bom desenvolvimento de um programa de treinamento. Ainda, independente de tudo, esses valores jamais devem ser negligênciados.
Além destas simples relações entre os exercícios citados acima, existem outros pontos a serem observados quando planejar todo um treinamento:
* nível de técnica de cada atleta
* capacidade de concentração da pessoa
* mobilidade e flexibilidade
* equilíbrio entre agonistas e antagonistas
dentre muitas outras...
Mas só com esses valores de relação entre exercícios ditos acima já pode-se ter um ótimo norteamento para um trabalho bem mais específico para cada indivíduo.
Conclusão
Sempre gostei muito de informática, e neste assunto, anos atrás, um grande amigo me contou uma história que sempre lembro: "certo dia um homem teve um problema no seu computador, o mesmo não ligava de jeito nenhum. Ele tentou de tudo, mas nada fazia a máquina funcionar. Foi então que resolveu chamar um técnico. Chamou um, outro, mais outro, e nenhum resolveu seu problema. O computador não ligava. Foi que chegou ao último da lista de técnicos, mas este era famoso por cobrar caro suas visitas, porém ele não tinha mais opção. Foi que chamou o profissional. O técnico chegou, perguntou o que acontecia e o homem explicou detalhadamente. Assim o técnico abriu a máquina e apenas apertou um minúsculo parafuso quase que escondido. Apertou-se o botão de ligar do computador e ele ligou imediatamente. O homem ficou espantado. Mas ao pedir a conta, também ficou espantado com o valor.
- 500 reais!?, disse o homem.
- Sim... O técnico completou.
O homem achou um absurdo pelo trabalho que teve o técnico, mas o pagou pois pelo menos ele resolvera seu problema. Ao sair o técnico lhe deixou o recibo do trabalho que deixou o homem curioso por conter duas linhas, com dois trabalhos:
Apertar o parafuso de placa....... R$1,00
Saber qual parafuso de placa apertar......R$499,00."
Exercício... qualquer pessoa pode passar, agora QUAL e QUANTO exercício passar; isso é o trabalho que um PROFISSIONAL faz!
O treinamento é uma ciência, e toda a teoria já criada vem da prática. Então não vale o famoso lema que muitas vezes ouvimos, pricipalmente dos professores de educação física: "na prática é diferente". Não, meu amigo, não é diferente não! Todo e qualquer profissional precisa da teoria para embasar toda a prática, e assim precisa da prática para embasar teorias. No final, a experiência do treinador é a maior formação que ele pode ter. Imagina se um cirurgião negligenciar a teoria e seus procedimentos!? O paciênte certamente terá sérias complicações. O mesmo acontece entre treinador e atleta.
Lembrem-se:
"Se você não ler, não sabe fazer! Se você não fazer, não sabe o que ler!"
(Alexandre Castro Alves)
Referência dos Cálculos e Dicas de Leitura
* Bob Takano, Weightlifting Programming: a winning coach's guide. Catalyst Athletics, Inc. 2012
* Greg Everett, A complete guide for athletes & coachs, 2nd ed. Catalyst Athletics, Inc. 2009
* Greg Everett, Olympic Weightlifting for sports. Catalyst Athletics, Inc. 2012
* Edmilson Dantas e João Coutinho, Força e potência no esporte: levantamento olímpico. Ícone Editora. 2010
* Pavel Tsatsouline, Power to the people: russian strength training secrets for every American. Dragon Door Publications, Inc. 1999
Alexandre C. Alves é Esp. em Fisiologia do Exercício e em Treinamento Desportivo pela UNIFESP
Sessões deste Artigo: Cross Training, Levantamento de Pesos, Preparação Física